Se não há Deus, o ser humano e o universo estão condenados. Como
prisioneiros condenados à morte, esperamos nossa execução inevitável.
Não há Deus, e não há imortalidade. E qual a conseqüência disso?
Significa que a própria vida é um absurdo. Significa que a vida que
temos não tem sentido fundamental, valor ou propósito. Vejamos esses
três conceitos mais de perto: Não há sentido fundamental sem imortalidade e sem Deus Se cada pessoa deixa de existir quando morre, que sentido fundamental
pode ser dado à sua vida? Realmente faz diferença se ela existiu? Pode
ser dito que sua vida foi importante porque influenciou outros ou afetou
o curso da história. Mas isso mostra apenas um significado relativo da
sua vida, não um sentido fundamental. Sua vida pode ter importância
relativa a certos acontecimentos, mas qual é o sentido fundamental
desses acontecimentos? Se todos os acontecimentos não têm sentido, então
que sentido fundamental pode haver em influenciá-los? No final das
contas, não faz diferença.
Olhe para isso de outro ponto de vista: os cientistas dizem que o universo se originou de uma explosão que chamam de “Big Bang”, há mais ou menos 15 bilhões de anos. Imagine que o “Big Bang” nunca tenha ocorrido. Imagine que o universo nunca tenha existido. Que diferença fundamental isso faria? O universo está mesmo fadado a morrer. No fim, não faz diferença se ele realmente existiu ou não. Por isso ele não tem sentido fundamental.
O mesmo vale para a raça humana. A humanidade está condenada em um universo moribundo. Uma vez que um dia deixará de existir, não faz diferença fundamental se ela alguma vez existiu. A humanidade, assim, não tem mais importância do que um enxame de mosquitos ou uma vara de porcos, pois seu fim é idêntico. O mesmo processo cósmico cego que a vomitou no início um dia acabará por engoli-la.
O mesmo se aplica a cada pessoa. As contribuições dos cientistas para o avanço do conhecimento humano, as pesquisas dos médicos para aliviar dor e sofrimento, os esforços dos diplomatas para promover a paz no mundo, os sacrifícios de pessoas boas para melhorar a sorte da raça humana – tudo isso não dá em nada. No fim, não farão nenhuma diferença, nem um pouquinho. A vida de cada pessoa, portanto, não tem sentido fundamental. E se, no final das contas, nossa vida não tem sentido, as atividades com que a preenchemos também não têm sentido. As longas horas gastas em estudo na universidade, os empregos, os interesses, as amizades – tudo isso é, em última análise, totalmente sem sentido. É isto que apavora o homem moderno: já que ele acaba em nada, ele é nada.
Contudo, é importante perceber que o ser humano não precisa apenas de imortalidade para que sua vida faça sentido. A mera continuação da existência não dá sentido a essa existência. Se o ser humano e o universo pudessem existir para sempre, mas não houvesse Deus, sua existência ainda não teria sentido fundamental. Certa vez li uma história de ficção científica em que um astronauta foi abandonado em uma rocha deserta perdida no espaço sideral. Ele levava consigo dois frascos, um contendo veneno e outro, uma poção que o faria viver para sempre. Compreendendo seu predicamento, ele engoliu o veneno. Mas então, para seu horror, descobriu que abrira o frasco errado – bebera a poção da imortalidade. E isso significava que ele estava condenado a existir para sempre – numa vida sem sentido e sem fim. Muito bem; se Deus não existe, nossa vida é como a desse astronauta. Ela pode durar para sempre, e mesmo assim não ter sentido. Ainda poderíamos perguntar à vida: “E daí?” Portanto, o ser humano não precisa apenas de imortalidade para que sua vida tenha sentido fundamental; ele necessita de Deus e de imortalidade. E se Deus não existe, ele não tem nenhum dos dois.
O homem do século vinte veio a compreender isso. Leia À espera de Godot, de Samuel Beckett. Durante toda essa peça, dois homens estão ocupados numa conversa trivial, enquanto esperam um terceiro que nunca aparece. Nossa vida é assim, Beckett está dizendo: simplesmente matamos o tempo esperando – o quê, não sabemos. Num trágico retrato do ser humano, Beckett escreveu outra peça em que a cortina se abre para mostrar o palco cheio de lixo. Por trinta longo segundos, a platéia olha atônita, em silêncio, para aquele lixo. Então a cortina se fecha. Isso é tudo.
Um dos romances mais devastadores que já li foi O lobo da estepe, de Hermann Hesse. No fim do romance, Harry Haller fica olhando para si mesmo em um espelho. No curso da sua vida ele experimentara tudo o que o mundo oferece. E agora está olhando para si mesmo, e resmunga: “Ah, o sabor amargo da vida!” Ele cospe em si mesmo no espelho e, depois o estilhaça com chutes. Sua vida foi fútil e sem sentido.
Os existencialistas franceses Jean-Paul Sartre e Albert Camus também compreenderam isso. Sartre retratou a vida em sua peça Sem saída como o inferno – a última linha da peça são as palavras resignadas: “Bem, continuemos com isso”. Por isso Sartre escreve em outro texto sobre a “náusea” da existência. Camus também considerava a vida absurda. No fim do seu curto romance O estranho, o herói de Camus descobre num lampejo de compreensão que o universo não tem sentido e que não existe um Deus que lhe dê sentido. O bioquímico francês Jacques Monod pareceu refletir os mesmos sentimentos quando escreveu em sua obra Acaso e necessidade: “O ser humano finalmente sabe que está sozinho na imensidão indiferente do universo”.
Portanto, se Deus não existe, a própria vida se torna sem sentido. O ser humano e o universo não têm sentido fundamental.
Não há valor fundamental sem imortalidade e sem Deus
Se a vida termina no túmulo, não faz diferença se nossa vida foi como a
de Stalin ou a de um santo. Se nosso destino, no fim das contas, não tem
relação com nossa conduta, cada um pode viver como quiser. Como
Dostoyevsky disse: “Se não há imortalidade, todas as coisas são
permitidas”. Com base nisso, um escritor como Ayn Rand está totalmente
correto em louvar as virtudes do egoísmo. Viva totalmente para si; você
não deve satisfações a ninguém! Na verdade, seria tolice viver de
qualquer outra forma, porque a vida é curta demais para desperdiçá-la
agindo de outra forma a não ser em interesse próprio. Sacrificar-se por
outra pessoa seria burrice. Kai Nielsen, filósofo ateu que tenta
defender a viabilidade da ética sem Deus, no fim admite:
Não fomos capazes de mostrar que a razão requer o ponto de vista moral, ou que todas as pessoas realmente racionais, não predispostas por mitos ou ideologias, precisam ser indivíduos egoístas ou amoralistas clássico. Não é a razão que decide aqui. O quadro que pintei para você não é bonito. A reflexão sobre ele me deprime [...] A pura razão prática, mesmo com um bom conhecimento dos fatos, não o levará à moralidade.[1]
O problema, porém, torna-se ainda pior. Porque, apesar da imortalidade,
se não há Deus, não pode haver padrões objetivos do que é certo e
errado. Tudo o que está diante de nós, nas palavras de Jean-Paul Sartre,
é o fato nu e sem valor da existência. Os valores morais são simples
expressões de gosto pessoal ou subprodutos da evolução e do
condicionamento sócio-biológico.
Nas palavras de um filósofo humanista: “Os princípios morais que regem
nossa conduta estão arraigados em hábitos e costumes, sentimentos e
modas”[2]. Num mundo sem Deus,
quem dirá quais valores são corretos e quais são errados? Quem julgará
que os valores de Adolf Hitler são inferiores aos de um santo? O
conceito de moralidade perde todo o sentido num universo sem Deus. Um
ético ateu contemporâneo disse: “Afirmar que algo é errado porque [...] é
proibido por Deus é [...] perfeitamente compreensível para alguém que
crê em um deus legislador. Mas dizer que algo é errado [...] apesar de
não existir um deus que o proíba não é compreensível [...] O conceito de
obrigação moral [é] incompreensível sem a idéia de Deus. As palavras
permanecem mas seu sentido se foi.”[3]
Em um mundo sem Deus, não pode haver certo e errado objetivos, somente
nossos juízos subjetivos, cultural e pessoalmente relativos. Isso
significa que é impossível condenar guerra, opressão ou crime como maus.
Também não podemos louvar fraternidade, igualdade e amor como bons.
Porque em um universo sem Deus, bem e mal não existem – existe apenas o
fato nu e sem valor da existência, e não há ninguém para dizer que você
está certo e eu errado.
Não há propósito fundamental sem imortalidade e sem Deus
Se a morte nos espera de braços abertos no fim do curso da nossa vida,
qual é o objetivo da vida? Com que fim ela foi vivida? Tudo foi a troco
de nada? Não há razão para a vida? E o que dizer do universo? Ele é
completamente sem razão? Se seu destino é um túmulo frio nas
extremidades do espaço sideral, a resposta tem de ser sim – ele não tem
razão de ser. Não há alvo, não há propósito para o universo. O lixo de
um universo morto simplesmente continuará a se expandir – para sempre.
E o ser humano? Será que existe algum propósito para a raça humana? Ou
será que ela simplesmente desaparecerá algum dia perdida no esquecimento
de um universo indiferente? O escritor inglês H. G. Wells anteviu essa
perspectiva. Em seu romance A máquina do tempo, o viajante no tempo
avança para
o futuro, a fim de descobrir o destino do ser humano. Tudo o que ele
encontra é terra morta, com a exceção de alguns liquens e musgos,
orbitando em torno de um gigantesco sol vermelho. Os únicos sons são o
sopro do vento e o marulhar das ondas do oceano. “Com exceção desses
sons sem vida”, escreve Wells, “o mundo estava em silêncio. Silêncio?
Seria difícil descrever como tudo estava quieto. Todos os sons das
pessoas, o balido das ovelhas, o canto dos pássaros, o zumbir dos
insetos, o movimento que forma o pano de fundo da nossa vida – tudo
havia passado”[4] E assim o
viajante no tempo de Wells voltou para casa. Mas para quê? – para um
mero ponto anterior na corrida em direção ao esquecimento. Quando eu,
ainda nâo cristão, li o livro de Wells, pensei: “Não! Não! Não pode
terminar assim!” Mas se não há Deus, o fim será esse, gostemos ou não.
Esta é a realidade em um universo sem Deus: não há esperança, não há
propósito. Isso me recorda os versos assustadores de T S. Eliot:
"E assim que o mundo termina
E assim que o mundo termina
E assim que o mundo termina
Não com uma explosão; com um gemido.”[5]
O que se aplica à raça humana como um todo vale para cada um de nós
individualmente: estamos aqui sem propósito. Se não há Deus, nossa vida
não é qualitativamente diferente da de um cão. Sei que isso é duro, mas é
verdade. O antigo escritor de Eclesiastes o disse assim: “O que sucede
aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como
morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e
nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade.
Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão” (Ec
3.19-20). Nesse livro, que se parece mais com uma peça da moderna
literatura existencialista do que com um livro da Bíblia, o escritor
mostra a futilidade de prazer, riqueza, educação, fama política e honra
em uma vida fadada a terminar na morte. Qual é seu veredicto? “Vaidade
de vaidades! Tudo é vaidade” (Ec 1.2). Se a vida termina no túmulo, não
temos um propósito fundamental para viver.
Mais que isso: mesmo se tudo não terminasse na morte, sem Deus a vida
ainda seria sem propósito. O ser humano e o universo seriam simples
acidentes do acaso, jogados na existência sem motivo. Sem Deus o
universo é resultado de um acidente cósmico, uma explosão aleatória. Não
há motivo pelo qual ele exista. Quanto ao ser humano, ele é um capricho
da natureza – um produto às cegas de matéria mais tempo mais acaso. O
ser humano não passa de uma massa gosmenta que evoluiu até a
racionalidade. Não há mais propósito na vida para a raça humana do que
para uma espécie de inseto; ambos são resultado da interação cega de
acaso e necessidade. Um filósofo o disse assim: “A vida humana está
posta sobre um pedestal subumano e tem de lutar sozìnha no centro de um
universo silencioso e sem razão”[6].
O que vale para universo e a raça humana também se aplica a nós como
indivíduos. Enquanto seres humanos individuais, somos o resultado de
certas combinações de hereditariedade e ambiente. Somos vítimas de um
tipo de roleta genética e ambiental. Os psicólogos que seguem Sigmund
Freud nos dizem que nossas ações são resultados de várias tendências
sexuais reprimidas. Os sociólogos que seguem B. E Skinner argumentam que
todas as nossas escolhas são determinadas pelo condicionamento, de modo
que a liberdade é uma ilusão. Biólogos como Francis Crick consideram o
ser humano uma máquina eletroquímica que pode ser controlada
alterando-se seu código genético. Se Deus não existe, você não passa de
um aborto da natureza, jogado num universo sem propósito para levar uma
vida sem propósito.
Portanto, se Deus não existe, isso significa que o ser humano e o
universo existem sem nenhum propósito -já que o fim de tudo é a morte – e
que vieram a existir sem nenhum propósito, já que são produtos cegos do
acaso. Em resumo, a vida é totalmente sem razão.
http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/paguei-pra-ver
ResponderExcluirQuando iniciei a minha pesquisa histórica acerca da origem do cristianismo senti-me profundamente incomodado com a historiografia oficial. Um não crente como eu percebe prontamente que essa historiografia está seriamente contaminada pela fé. O acatamento da Bíblia não é científico. Claro que o propósito da nossa cultura era lastrear a fé cristã e fortalecê-la constantemente. Para isso, serviu-se da história como um mero instrumento utilitário de convencimento. Se a Igreja dissesse que preto era branco, todos tinham que acreditar piamente. Especialmente os professores, que eram sustentados por ela. Não havia escola que não fosse cristã.
Não é difícil imaginar o resultado disso séculos a fio. Desse modo, o absurdo passou a se tornar natural, pois a proteção à fé estava acima de tudo. É ai que surge uma questão moral da maior relevância pela sua contradição: a obrigação da academia seria zelar pelo ensino honesto de história [a honestidade é um dos valores basilares do cristianismo] ou dar guarida às necessidades da religião, por mais justificável que isso possa parecer?